30/06/2008

Coração de papel

Tinham estado o dia inteiro juntos. Uma enorme tensão sexual juntava-os. Não se tocaram, mas as indirectas e os olhares sugestivos aproximavam-nos ao ponto de sentirem a pulsação do outro.
O dia todo!

Até chegar a noite. À noite, jantaram juntos: um prato simples e um bom vinho.

Ele tocou-lhe de leve no ombro. Um arrepio subiu-lhe pelas costas. Não ia entregar-se; ia fazê-lo penar mais um pouco. O jogo ainda estava a começar.

Uma dança mais sedutora, no fim da sobremesa. Um misto de desejo, calor e sensualidade. Ela soltara o cabelo, que havia estado em rabo-de-cavalo todo o dia. "Ficas mais bonita assim!" sussurra-lhe. Os amigos, presentes no restaurante, faziam apostas na capacidade de resistência de ambos. Ela ria-se. Estava decidida a fazê-lo correr mais um pouco atrás dela.

Mais um copo de vinho. E as mãos juntaram-se. As mãos dele puxaram-na, de novo, para a pista de dança. As mãos dele puxavam-na para ele. As mãos dele tocavam-lhe nas costas, nos ombros. O cheiro dele inebriava-a. O cheiro dele tocava-lhe. O jogo jogava-se só entre os dois.

Acabou a música. Acabou a dança. Ele levou-a para a rua. Aproximou-se, até os narizes se tocarem. "Tens uns olhos lindos!" disse-lhe, enquanto lhe beijava os dedos.

Não se tocaram mais do que isso. As mãos tinham cola. Os olhares também. Ela ria. Ela apaixonava-se pelo galanteador. Até que acabou o dia. Mesmo depois da música e da dança, do jantar simples e do vinho.

Ele voltou para a mulher. E ela voltou para a sua rotina, tendo presente a lembrança dele. E do cheiro dele que perdurava nas suas mãos.

23/06/2008

Muito ou pouco tempo?

Para sempre!
É muito tempo?
É pouco tempo?
É dúbio...

Para sempre. Ninguém ama para sempre, nem chora para sempre. Ninguém é feliz para sempre. Nem ninguém é miserável para sempre.

E ela... ela apercebeu-se disso quando ele disse "fim". A experiência em relações disfuncionais e irremediavelmente falhadas avisou-a que "para sempre" não existia. E o "fim" chegou. Chegou com o fim dos beijos ao sair de casa, das flores sem razão, dos jantares surpresa. O "fim" chegou. Chegou com o fim das mãos dadas no escuro do cinema, da mão no ombro no sofá da sala, das mensagens a meio da manhã...

Uma morte anunciada, pensou. Mesmo a experiência em relações disfuncionais, não evitava o sofrimento. Que mesmo não sendo "para sempre" doía como se fosse. Uma dor que só acalmava à noite, durante o sono, numa cama demasiado grande e demasiado fria para uma única pessoa.

O "fim" chegara por fim. Uma repetição de outros filmes. Mas nada dura "para sempre". Nem o amor... ou a dor. E ela sabia.

O "fim" chegara naquela tarde. Amena, por sinal. Uma tarde que ela sabe que se vai perder nos cofrezinhos da memória. Porque até as lembranças se perdem no tempo.

17/06/2008

Para sempre

Deitaram-se às 4 da manhã, depois de um dia (e noite) muito ocupado.

Antes disso, tinham estado a falar, encostados aos móveis da sala, como praticamente dois desconhecidos que eram. Um dia (e noite) de muita correria e stress que acabara assim: duas pessoas - um homem e uma mulher - encostados a um armário de vidro fosco, a conversar sobre banalidades.

Deitaram-se às 4 da manhã.

Ele foi à frente. Reservou para si o lado direito da cama. Ela seguiu-o. E, com gestos felinos, despiu-se. Nem assim desviou o olhar dele da televisão. Com os mesmos gestos felinos, deitou-se ao lado dele. Cabeça encostada no ombro dele e uma mão naquele peito quente.

Eram 4 da manhã.

Cansados depois de uma dia (e noite) de stress e de correria conta o tempo. Ela queria ficar assim para sempre. Ele nem por isso: acabara de se virar para o outro lado e dormia. Eram 4 da manhã e 12 minutos quando ela se apercebeu que o seu "para sempre" havia terminado. Exactamente, 12 minutos depois de se terem deitado.

Ele, de costas viradas, e ela, a chorar silenciosamente, no lado da janela, no lado esquerdo da cama. Eram dois quase estranhos que partilhavam o mesmo leito. Dois quase estranhos magoados pelo amor. Dois amantes por conveniência, mas que de amantes tinham muito pouco.

15/06/2008

Patinho Feio: e crescer é isto!

Todos conhecem a história. Não vale a pena gastar energias a relembrá-la. Eu sempre fui o "Patinho Feio". Ou pelo menos assim me julgava: a miúda baixinha, de aparelho, com borbulhas, que apesar de não ser (muito) gozada pelos colegas, era quase sempre a última escolha.

Lembro-me que, durante a minha adolescência, as Spice Girls estavam na berra. Na minha turma, criámos um grupinho de 5 raparigas que imitavam as Spice. Eu era a Sporty Spice - a menos exuberante das cinco. Aquela que ficava lá atrás, porque não usava mini-saias, só ténis e fato-de-treino.

Não o confesso publicamente para que tenham pena de mim e me digam "Qual quê, Cris?! Isso era dantes". Faço-o para que conheçam um bocadinho mais desta que vos escreve.

Esteticamente, ficava aquém daquilo que pensava ser o ideal. Queria ser mais alta e tão bonita como as minhas amigas. O pior é que não também nem sequer era a mais inteligente. Terminei o 9.º ano e respirei de alívio: podia recomeçar. E correu bem. Cresci... passei dos 15 anos aos 17/18 num abrir e fechar de olhos. Namorei e namorisquei. Comecei a gostar de me ver ao espelho. Tornei-me mais alegre e divertida. Alguns rapazes mais velhos reparavam em mim. E aquilo fazia-me sentir bem.

Acabei o 12.º ano e respirei de alívio: podia testar-me num ambiente mais adulto. E correu bem. Passei dos 18 anos aos 22 num novo piscar de olhos. Namorei. Já não dispensava o espelho, apesar de não ser refém dele. Continuei a ser a engraçadinha de serviço quando tudo o resto falhava. Era um motor que só parava na hora de dormir. Uma fonte de energia. Os homens reparavam em mim e viravam a cabeça à minha passagem. E não era, de todo, desagradável.

Acabei a faculdade. Foi um dia feliz. Respirei de alívio: mais uma meta alcançada, mais uma etapa cumprida... estou a crescer. Mesmo! Continuei a ser a mesma miúda baixinha. Desta vez, sem aparelho. Já não me sinto o "Patinho Feio". Mas também não me vejo como o cisne deslumbrante da história. Sem ter problemas de auto-estima, sou normal. Sou a Cristina. A miúda baixinha que, hoje, veste calções pelo joelho e All-Star verdes. E amanhã... amanhã, quem sabe? Uma saia preta e sapatos de salto vermelhos? Uns calções de ganga e havaianas rosa? Quem sabe? Só sei que continuarei a aprender... e a crescer!

13/06/2008

Alguns esclarecimentos

- Este blog não será actualizado todos os dias. Apenas quando tiver textos que possam ser publicados;

- Os textos publicados SÃO MEUS! Não copio textos de ninguém e no caso de isso acontecer, atribuo a origem. Uma comentadora (num post anterior) disse que já tinha lido aquele texto algures... todos os textos são imaginados por mim, escritos por mim e publicados por mim... podem existir coincidências, que não passarão disso mesmo: coincidências! Caso sejam iguais, alguém me anda a plagiar e peço que me avisem;

- Os textos terão duas fontes: memórias minhas ou a minha criatividade. Não significa, portanto, que vá escarrapachar a minha vida (privada) em textos bonitinhos... ;

11/06/2008

Usada

Usaste o meu corpo. E eu não me importei.

Usaste o meu corpo. Beijaste-me a nuca, o ombro, as costas... atiraste-me para a cama e beijaste-me como nunca o tinhas feito antes. Usaste o meu corpo. Mas eu não me importei. Queria que o usasses. Queria sentir o teu cheiro ainda mais de perto. Conquistaste-me pelo cheiro doce da tua pele, pelo salgado da tua boca... uma mistura agri-doce estranha.

Usaste o meu corpo. Despiste-me, desajeitada e rapidamente, mas eu não me importei, porque queria que o voltasses a ver. E depois usaste. A mim e ao meu corpo. Mas isso não importa. Queria sentir-me amada (outra vez), desejada (outra vez) mesmo que isso não significasse um compromisso. Mas eu queria que te comprometesses comigo.

Usaste o meu corpo. Podes voltar a fazê-lo. Eu não me importo, desde que isso signifique ter-te comigo. Eu não me importo, desde que isso signifique que sejas meu, por mais uma noite. Amas-me aos bocadinhos. E isso, agora chega-me. Por enquanto.

Usaste o meu corpo. E eu não me importei.

08/06/2008

Amores de sofá

Estive vai-não vai para enviar este texto para a "Revista 365" do Fernando Alvim. O tema dos textos dos candidatos era "Amores de Sofá". E eu escrevi isto. Não saiu do caderno... até agora!

Não quero alugar um filme. Só quero estar contigo. Não, não estou aborrecida. Tem de haver uma razão para querer estar contigo? Apetece-me chegar a casa, tirar os sapatos (doiem-me os pés), ficar descalça e deitar-me contigo.

Deitar-me só. Porque quero estar contigo. Quero chegar a casa e descalçar-me. Sentar-me no sofá e deixar-me escorregar até ao teu colo. Porque preciso estar contigo. Apetece-me mesmo: estar deitada no sofá, contigo. A fazeres-me festas no cabelo. A sentir o ritmo da tua respiração. A sentir o teu coração a bater.

Apaga a televisão. Esquece o filme. Vem para aqui. Deita-te aqui ao meu lado. Sei que o espaço é pequeno. Mas vamos estar juntos. Sabes que não é capricho meu. Há quanto tempo não estamos só os dois? A sentir a electricidade estática do corpo do outro?

Sei que sou tola. Não precisas de dizer. Mas vem para aqui. Deitas-te no sofá e fazemos conchinha. Quero apoiar a cabeça no teu braço. Quero ouvir-te dizer num leve murmúrio "gosto de ti". Quero que sejamos só nós. Sem muitas palavras. As palavras atropelam.

Deitada na teu colo, a fazeres-me festas no cabelo, ou deitados no sofá, em conchinha, só quero estar contigo.

Não temos que voltar a sair. Só quero estar contigo. Percebes agora? Nem precisas falar. Bastam o teu cheiro e o teu abraço. Porque contigo, sou mais eu. E agora, estou perdida. É por isso que tenho de estar contigo. Não importa que adormeças - e que lindo ficas a dormir! Vens?

07/06/2008

Há uns anos

Há uns anos havia uma doçaria "made in Spain" à venda em quase todos os cafés por este país fora. Uma porcaria cor-de-rosa, e por dentro era como uma esponjinha de nata. E que bom que era. E, principalmente, barato. Custava à volta de 50 escudos.

A mim e às minhas colegas não interessava muito o doce, mas sim os autocolantes que vinham dentro da embalagem. Umas coisinhas amorosas que, vim a descobrir, eram declarações de amor de Kim Casali ao seu marido... uma série de desenhos da colecção "Love is...". Não sei porque é que me lembrei disto, mas lembrei.

Naquela altura, eu devia andar na casa dos 12 ou 13 anos e gostava de um rapaz, o Vitor. Um loirinho muito engraçado, de olhos azuis. Era um verdadeiro bad boy: faltava às aulas, mandava piadas nas aulas, cabulava... um herói, portanto! Mandei-lhe vários daqueles bilhetes escritos nas aulas, à sucapa. Nunca fui do género "Queres namorar comigo: sim ou não?" - já na altura gostava de escrever. E escrevia muito. Se calhar, por isso é que nunca namorou comigo. Nunca me respondeu. Mas nos intervalos, vinha gozar comigo. E naquela altura, para mim, o amor era isso. Encontrei-o no último Verão. Lembrava-se de mim. Disse-me que era impossível alguém esquecer-se de mim. Ri-me e despedimo-nos.

Se, naquela altura, o amor era assim tão simples como um "gostas de mim: sim ou não?", porque é que complicamos tanto em adultos?

Idealizamos a cor do cabelo, a profissão, a forma de vestir e de (até!) falar. Idealizamos a forma do nariz, a espessura dos lábios... há medida que os anos passam, tornamo-nos exigentes. Perde-se a pureza do "amor à 1.ª vista". Ou então mudamos-lhe o nome. Começamos a chamar-lhe "química". Se há química, dá-se a oportunidade de conhecer melhor; se não há, nada feito.

Às vezes, gostava de voltar aos meus 12,13 anos... para que o amor voltasse a ser tão simples como um bilhetinho escrito na aula, tentando fugir aos olhos dos professores.

Mais um

"Mais um blogue, Cristina?". Respondo que sim. Porque o "Estrelices" fala de tudo e de nada, ao mesmo tempo e porque o "Eu na Invicta" terá de acabar um dia destes. Só por isso. E porque gosto de escrever.

O "Os meus retratos" vai servir para publicar algumas histórias minhas. Umas inventadas, outras que foram momentos reais da minha vida.

Obrigada por me seguirem. Obrigada pela vossa presença.